Olhares Palavras Momentos

quinta-feira, maio 31, 2007

escola i.

Atravesso, de carro, a estrada já suja de esquecimento. Não vou a guiar, dá-me tempo para olhar à direita aquilo que foi a minha primeira escola. Lembro-me do autocarro, verde e branco, a parar na esquina da casa dos meus pais, eu ali imóvel seguro na mão quieta da minha mãe, a porta a abrir-se na algazarra das outras crianças, amigos por fazer, zangas por cumprir, descobertas prometidas, a face impaciente, treinada, do condutor, o resto das pessoas a passar, na rua, indiferentes (creio) (ou imagino pois não me lembro) ao pequeno drama repetido mil vezes mas único em mim. O subir dos degraus, primeiro, segundo e entro no rebuliço infantil da expectativa, oiço a porta a fechar-se, um dois olhares e um sorriso, minha mãe a despedir-se, transformada num aceno à distância separado por riscos de janela. O motorista arranca, na lentidão estudada de um hábito que viria a conhecer. Sentei-me e esperei. Como agora, sentado, à espera, na permissão do semáforo, e vejo (não sei se com desgosto) que da escola sobrou um terreno informe, remoído de escavadoras e homens, a maioria por nascer quando, no fim dessa primeira viagem, ali entrei.

segunda-feira, maio 28, 2007

quinta-feira, maio 24, 2007

mas és tu que lhe dás distância

O bailado encerra um mundo e um autor, já perdidos, que o fizeram. Na dança, entre muitos, tu e a parte que eu não sabia. Diz-me. Diz-me o peso a forma das notas que te levam (e trazem) de um lado ao outro deste palco que me detém. O corpo, teu, meu nos olhos que te seguem, percorre o rio dessa escura madeira pintada de luz. Toda movimento e expectativa, és instrumento da música, braços e pernas a carregar os versos recuados de uma soprano (mas és tu que lhe dás distância). Agarras nas mãos o silêncio do meu assombro.

segunda-feira, maio 21, 2007

quarta-feira, maio 16, 2007

não fazes ideia - que parvoíce a minha

Sento-me no sofá novo neste azul vivo de entardecer. Cheguei cedo, podia ler um livro (dois deles esquecidos ao pé dos jornais, perdi-lhes o enredo, nem me lembro dos títulos, dos autores) mas ligo a TV, viajo com o dedo pela dúzia de canais que pouco ou nada dizem, sequência atalhada de imagens sem interesse. Divago. O gato roça-se, na minha perna de ganga, de cauda espetada, senta-se no meu colo e repousa no sono leve dos felinos. Um episódio da segunda guerra, uma batalha pintada a cinzentos e o tempo passa. Oiço a porta. Chegaste, vês-me na sala. Sem largares a mala vês (creio) o hábito construído por nós nos últimos anos e eu tento, na tua imobilidade, na falta inesperada à rotina que tão bem cumpres, perceber as máscaras que te tapam. Por um momento hesito na demora do teu sorriso e não sei que faça (a mala continua na tua mão, pousa-a por favor, não fazes ideia - que parvoíce a minha - o quanto gostaria que a pousasses). O gato abriu um olho e também te observa na sua preguiça que torna este mundo tão mais simples. O que esperas? O que vai nesse teu silêncio?

segunda-feira, maio 14, 2007

quinta-feira, maio 10, 2007

e a tua espera nenhum cão entenderia

Frio e negro o alcatrão na tua frente. Os carros nele e neste crepúsculo de dia útil igual a tantos na tua reforma. O cão observa-te, olhos molhados do hábito que vos traz à rua, chuva sol vento, o calor do verão, detalhes apenas na confiança que o animal te tem. Observa-te sentado, sabe que podem avançar, nenhuma coisa de metal se faz ouvir agora. Mas tu esperas (e a tua espera nenhum cão entenderia). Esperas que um passado extraviado, qualquer um daqueles que reclamas teus, te apanhe. Esperas os amigos cremados (que o atraso e a espera não se separam facilmente). Esperas o sentido disto a que chamam vida, as oportunidades que de longe se vêem todas (e não as sabias últimas e tantas tantas desperdiçadas). Esperas no silêncio da estrada que o tempo te leve, te carregue, talvez e também de trela, a um outro costume. E que seja menos cristalino que este, que agora, te atravessa os olhos.

segunda-feira, maio 07, 2007

quarta-feira, maio 02, 2007

é estúpido eu sei

Cala-te, deixa-me ser a voz que pretendo, os sonhos que levanto nos quais hesito e perduro e não os faço. Cala-te, sê tu e não me queiras igual, quero espaço, ar (quero ar, quero respirar), quero vida, a minha. Não sou reflexo do teu gesto, nem imagem que segue os teus defeitos (e virtudes, admito, sim admito-o, e só nisso seria já melhor que essas denúncias constantes a que me reduzes), nem consentimento perpétuo que se esquece como me beijas (depois) (os teus beijos são diferentes antes e depois, não me perguntes porquê, nunca a redenção, tua ou doutro, virá assim). Não sou momento sem passado para uma lista que me parece interminável de pretextos, esqueces que me lembro de ontem, da semana passada, do mês? (anos, tens razão, são anos que nos trazem). Queria-te sem dizer como deves ser, queria-te sem investir-me de argumentos pensados sem gritos por arrepender, queria-te só sem o mundo mas o mundo aqui está, não, minto (não é culpa do mundo). Queria-te sem ti, é estúpido eu sei.

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