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segunda-feira, fevereiro 26, 2007

branco e velho, a observar-me

O frio enche-me os ossos de vontade de voltar. É Inverno transmontano nesta semana de ano novo, no céu limpo, no rosto da estrada impresso em quem me cruza: Bons dias, Bons dias, Onde vai? Não sei. Não sabe? calo-me após o sorriso (na aldeia nada se faz sem motivo ou razão embrulhada em desculpa) e afasto-me, continuo, subo o carreiro deixado há anos ao abandono, deixo a silhueta imóvel das casas, as madeiras feitas portas encerradas em paredes, os olhos de um cão, branco e velho, a observar-me deitado no sonho breve e interrompido dos animais, o sol a acordar nesta luz tosca de outra manhã submersa (poder-se-á escrever ainda manhã submersa?). A serra descansa o corpo na planície (uma ou outra última estrela, restos de Lua, um morcego que voa), eu nos seus ombros a roubar-lhe um pouco do silêncio roubado aos pássaros que nela dormem.

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

quinta-feira, fevereiro 22, 2007

As gaivotas trazem nos gritos os barcos à linha da praia, ao desespero consolado das mulheres, ao afastar diário da miséria, ao teu rosto de filho e de medo. Depois será silêncio. Amanhã.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Chopin

Vinte anos. Há vinte anos fechada a minha infância nesta casa. A porta abre-se, relembrando o tempo passado de vida agitada, pois quatro crianças animam até a solidão dos velhos, cheiros e sons agora repousados neste pó que não conheço (o pó era a caspa do mundo, dizia o meu avô enquanto no enrugado dos seus dedos passava, lento, o castanho antigo da madeira). Ainda se mantém, num orgulho amarelado. O tapete de Arraiolos no centro da sala, indiferente às humidades que o consomem, às rachas na parede norte onde se perdeu o piano, vendido antes da deserção deste canto de terra. Ali a mesa, quebrada sobre dois pés resistentes, uma cadeira apenas (uma cadeira, vejam lá, que terá acontecido às outras sete?). Lembro-me de Chopin (era Chopin, avó?), das teclas e do seu tempo bem marcado entre os silêncios dos teus dedos nelas, brancas e pretas em ordem estudada que só tu sabias. Dedos de velha, ágeis, sábios, o carinho sobre as notas igual aos outros teus, meus, que não perderei. Pouco mais somos que obra de lembranças despojadas.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

segunda-feira, fevereiro 05, 2007

Terra

A tua terra, mãe. Mesmo sem aqui estares comigo sinto-te o cheiro da roupa lavada nesses dias de sol que de Verão vêm cheios, a comida preparada no calor da cozinha da janela, pequena, onde a luz do meio-dia não entrava facilmente, lembro-me (tantas coisas que me lembro, as lembranças trazem-se umas às outras agarradas por cordéis de algodão, é sempre o tempo que nos falta) da azinhaga a desenrolar-se no ribeiro, lento, eterno parecia-me (está seco, mãe, seco que não o vejo nesta fiada suja de agora) aos olhos da criança que aqui deixei. O sobreiro, passado a lápis no «primeiro desenho de pintor» (dizias tu daquele papel rabiscado) (ainda o tens?) cortado vejo-lhe a sombra crescida comigo cá dentro. Agora é casa, amarelos e azuis e caiados sobre tecto de família francesa de pai raiano. Queremos que nada se altere congelado em egoísmo na nossa memória mas é sempre o passar dos anos que desilude (ou ilude, não sei, nem sei se há diferença) pois da tua terra mãe, resta-me o pão quente do senhor António, os meus passos nesta chã, a silhueta da serra e o brilho chorado dos teus olhos.

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