quantas mãos as lavaram, as abriram, as sujaram
Subiste as escadas, escuras, de madeira, que levam ao fotógrafo da vila. Esperas, obediente, a tua vez e por fim entras na sala. Fechas os olhos por um momento. Ouves a delicada maquinaria obedecer às mãos do rapaz, bem vestido, que ambiciona coisas nutre paixões abriga futuros que nunca saberás. Sentes a rotina aperfeiçoada daqueles gestos e permaneces, confiante, sentado, em silêncio e à espera. A rua em baixo é luz, reflexo cruzado nestas janelas limpas (quantas pessoas no passado destas janelas, quantas mãos as lavaram, as abriram, as sujaram, quantos ombros a empurrar estes cortinados, quanto desespero desatravessado e esquecido nestes vidros?). Pedem-te uma resposta (está pronto?) sim (dizes) e preparas um sorriso. Sabes que não sobreviverás ao que deixas, sabes ser esse o sucesso possível, e apenas nisso o ânimo desse olhar. À posteridade que te esqueceu.
Olhares Palavras Momentos
quinta-feira, março 29, 2007
terça-feira, março 27, 2007
sexta-feira, março 23, 2007
Um cão, na areia solitária,Sento-me na esplanada deste Inverno em fim de manhã. O empregado diz qualquer coisa e eu digo qualquer coisa, ambos contentes da missão cumprida e ele já no próximo cliente. Abro o livro dividido no marcador de metal por ti oferecido. As palavras renascem, voltam à carga desse estado dormente de página fechada, reanimadas talvez pela luz (alimentar-se-ão os livros com energia solar? não chegará o lá largado do autor?) e embrenho-me nelas, em humores e personagens. Um cão, na areia solitária, corre sem razão rente às ondas. Faz-me emprestar os olhos ao mar e para desespero do parágrafo seguinte reconheço (e não reconheço) aquele padrão de azul igual, sempre diferente entregue ao silêncio da paisagem. Ficaria ali muito tempo mas o sol, reflectido entre a linha do horizonte e a da vaga que agora molha a distracção daquele ladrar, lembra-me a falta de não ter óculos escuros (o sol lembrou-se? um ladrar distraído? que ânsia desesperada a nossa de tudo encher de significado).
Por João Neto às 19:14 Etiquetas: silencios 1 comentário(s)
terça-feira, março 20, 2007
sexta-feira, março 16, 2007
essa intimidade na minhaLembro-me (o que seríamos sem memória?) da vida que me punhas no olhar, do riso que me levava as horas, do sortilégio das tuas promessas. Lembro-me do cheiro do teu peito de luar em penumbra de quarto, imóvel (que é no silêncio quedo do amor, tu e eu estátuas abraçadas num beijo, que me lembro do teu peito). Lembro-me dessa intimidade na minha, do esquecimento consentido dos abraços, da pele cansada na luz do meio-dia, tua e minha. Lembro-me disto e do resto, inexprimível (por mais que cresçam os dicionários haverá sempre palavras por inventar). Mas é a manhã que nos chama, vem (levanta-te). A felicidade é reconhecer os momentos que merecem uma lembrança.
Por João Neto às 07:51 Etiquetas: silencios 2 comentário(s)
terça-feira, março 13, 2007
segunda-feira, março 05, 2007
entre episódios de telenovelaO copo repousa-te no balcão, meio vazio, à espera dos teus lábios (estiveram secos alguma vez os teus lábios?). Olhas a rua as pessoas talvez (todos passam neste filme, ninguém fica) braços estendidos sobre envernizado de um bar vazio. Pensas nela. A cabeça recolhida, suja de cinzentos no teu cabelo outrora negro que a conquistou (tenho a certeza que não o fizeste nas tuas escassas palavras), escondendo vergonha uma esperança afogada. Também ela esperou por esses lábios perfumados agora de bagaço (bagaço?) perdidos em refluxos de álcool, esquecimento, remorso. Que fazes do silêncio que invadiu a tua casa há décadas? Que fazes pela mulher que agora só espera, entre episódios de telenovela, que não venhas, que te percas de vez nos labirintos que criaste nas paredes que ergueste do sonho (dos sonhos) que foram vocês um dia?
Por João Neto às 10:14 Etiquetas: silencios 0 comentário(s)
sexta-feira, março 02, 2007
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