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quinta-feira, junho 28, 2007

juntos, viam-nos passar

Fora tudo tão rápido. Dois militares surgiram entre os ecos da guerra, eram promessas de glória, fios de água às sementes de heróis lá da vila. Muitos jovens foram-se neles. Formou-se um pelotão antes da estação mudar e a angústia dos mais velhos encheu a terra (em muitos olhos a tristeza da perda contra a cega esperança da volta. Tudo muda mas não há mas que cheguem a um olhar de mãe). Atrás deles o silêncio apenas a ocupar o lugar na mesa, a cova da cama, a toalha por molhar, o beijo nos lábios dela. Semanas depois, um batalhão passou, em direcção à fronteira da guerra ainda invisível e que se estendia no continente. O padre e o banco de madeira, juntos, viam-nos passar. O Jorge pastor a perguntar mudo pelas ovelhas que há muito perdera, no Sérgio a falta da barca e do rio onde nascera, o António na saudade das plantas e árvores, no arrependimento desse entusiasmo que o levara. Passos sincronizados mas só isso. Lá iam e neles as mãos a sangrar de tanto afagar espinhos.

segunda-feira, junho 25, 2007

quinta-feira, junho 21, 2007

Fez

As mãos dizem-nos o que as palavras de outra língua são incapazes de transmitir. As ruas, mínimas, apertadas de tanta gente, serpenteiam gostos, desejos, sonhos que nunca saberei. Comércios de turista mas reflectindo um passado de glória cumprida, transformada agora em História, em livros e música, lendas mastigadas por séculos de oralidade. Fez. A cidade cruzamento de passagens, repositório de esperanças deixadas de uma Espanha longínqua, escola e casa destes que me dão nela o seu proveito. Lá fora, um deserto domesticado até onde a nudez do olho alcança. Mais a sul, depois do verde amarelado a custo mantido, no Sahara, o retrato presente, imenso, do silêncio que a cingia.

segunda-feira, junho 18, 2007

quinta-feira, junho 14, 2007

a luz da manhã, a rua deserta

Acordo. O tecto outrora branco cercado agora de paredes húmidas, um relógio parado numa delas, noutra um quadro uma casa de pedra um casal que sorri pintado na sua deslembrança. O hotel nesta madrugada isolou-se do centro da cidade. Nada oiço, apenas na janela sul o ritmo demorado do Tejo a esvaziar-se no mar, um cargueiro nele cumulado de ferrugem e os anos gastos sob a ponte, lentos, a atravessá-la. Do quarto, a luz da manhã, a rua deserta, um vestígio de chuva nas roupas molhadas estendidas, pesadas. Duas nuvens lá fora, outra comigo a carregar-me a noite. Para onde foste? Um espelho na parede oposta à claridade e vejo-me à contra-luz do dia que começa. Tu despertada, perdida na cidade que acorda. Eu e os olhos, meus, no reflexo ao lado do barco, fazendo-se como ele ao fio do horizonte. Tentando encontrar (no meu rosto?) as ruas que te conheceram os passos.

segunda-feira, junho 11, 2007

quinta-feira, junho 07, 2007

escola ii.

Havia um eléctrico, dos antigos, num canto da escola, esquecido já nessa altura, nunca nos deixaram entrar nem explicaram como nem quando ali foi deixado (entrei uma vez, às escondidas, no segredo partilhado de um amigo, nós sentados nos bancos de tecido verde rasgado, mãos nos joelhos e fingindo viagens para lá do possível das linhas que no dia-a-dia voltavam na Cruz Quebrada para retornar ao longe dessa Lisboa, a teimosia da madeira conservada, um pardal na janela a vigiar-nos, o velho do costume no outro lado da R. de Pedrouços, andar manco e na mão o saco plástico a baloiçar vazio no mesmo vento de agora, uns óculos partidos no chão sujo de outras coisas, a simetria dos comandos à frente e atrás e o silêncio arquivado das máquinas extintas), estava apenas a dez metros da linha por onde passavam outros como ele. Era uma baleia esquecida, morta na praia apodrecendo sem cheiro. Já lá não está.

segunda-feira, junho 04, 2007

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