Olhares Palavras Momentos

quinta-feira, abril 30, 2009

terça-feira, abril 28, 2009

rasgar

A noite pousou há muito e nela a lua nova, a silhueta cansada dos prédios sujos da cidade, os sons que restam das casas cheias. Um pontilhado de luz é o que sobra das horas e numa varanda outro como eu (creio) ambos neste calor de dia derramado, neste tremor do relógio ainda por ver, nesta espera de olhar a estrada que se perde após a curva, na partilha de uma falta (das notícias que não dás, desse respeito erigido ou então - esquece o resto - do teu sorriso). Oiço o elevador. Não a vi na rua, um desvio de olhar talvez, um fechar de olhos na lembrança do primeiro beijo e na promessa daquele abraço, uma distracção qualquer e agora a fechadura a abrir-se em ti. Não dizes nada, quase não olhas a varanda onde me congelo e avanças convicta para o quarto a rasgar-me a memória nesse silêncio.

quinta-feira, abril 23, 2009

terça-feira, abril 21, 2009

e interessa-te, essa resposta que ensaias?

Os cotovelos no balcão numa espera inesperada. Uma da manhã, o silêncio da noite que entra pela janela e o sono, apesar de agora começado o turno. No papel que desenhas traços a tua mão, no relógio a inquietude, no velho que dorme na segunda fila os teus olhos. Vês-lhe os punhos magros de uma qualquer fome, o casaco rasgado de anos atrás ainda trazido. Vês-lhe o tempo fugir como te foge, o mundo que passa fora desta sala de espera. Quantos velhos como este viste entrar? Menos dos que viste sair mas quantos? (e interessa-te, essa resposta que ensaias?). A morte rodeia-vos (ao hospital, aos doentes, a vocês que o fazem). A esperança também, e o sorrir e a alegria da cura, mas estes são de memória gasta no normal dos dias seguintes. De madrugada vêm lavar-vos paredes, o chão, as portas e o branco que os reveste. Só que não há nada que não se macule.

quinta-feira, abril 16, 2009

terça-feira, abril 14, 2009

Agora todas estas coisas são sombras

Os passos na sala e tu neles. As noites passam, esta como as outras, sem te ver neste emprego nocturno que vestiste. O museu em descanso dos gritos e da correria nas visitas das escolas, dos olhares dos visitantes que por desejo ou acaso se acolhem nestes corredores. Agora todas as coisas são sombras, próximas do esquecimento de quem as usou um dia, dos mortos que lhes reconheciam defeitos e agradeceres velados (quantas mãos passadas, quantos filhos vestidos neste tear?). Olhas para fora e dois carros atravessam as luzes na estrada. Parou de chover há pouco e atrás de ti um fio de vento. Pensas em como odiaste a ideia deste emprego. Pensas como o barulho da TV, do rádio, do futebol, das discussões do café te adormeciam. Pensas.

quinta-feira, abril 09, 2009

terça-feira, abril 07, 2009

dela na tua frente

Atravessas o corredor, vazio, nessa rotina da procura de objectos perdidos, memórias deixadas, lixo. Abres a porta e desces os dois degraus para o descampado que te defronta. Encostas-te ao autocarro, a sujidade no branco dele no branco cansado da tua camisa, os dois uma equipa calada que de ti apenas um sorriso, um olhar mais triste, o cheiro do cigarro que agora acendes. Sempre esta erva daninha sob o céu, de nuvens, limpo, de chuva ou vento, essa colecção de dias que ninguém recorda e a tua espera de fim de turno. Depois chega o próximo colega pronto a repetir as mesmas voltas com pessoas diferentes de iguais hábitos, um apertar de mão, a troca vazia das mesmas frases (e não te esqueces, pela diferença que esta indiferença te causa, dela na tua frente, a olhar-te, lá atrás no ano passado, outro tipo de silêncio que o teu medo foi incapaz de querer decifrar, talvez pelo casamento que te guarda os filhos ou outra coisa qualquer - depois da perda nada disso interessa) tu apenas nesse dar de chave entre mãos que não se tocam e já vais, esquecido, convicto, apanhar novo transporte para casa.

quinta-feira, abril 02, 2009

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