Olhares Palavras Momentos

quinta-feira, fevereiro 26, 2009

terça-feira, fevereiro 24, 2009


Aqui sou contraponto

O deserto à minha frente. Uma linha de céu e areia a limitá-lo, um vazio de vida que se adivinha, um sol que já foi deus. O tempo parece ceder-lhe a vez, ficamos lentos, os passos custam a dar-se, a garganta seca nas palavras que não pretendemos dizer. Uma mulher quase albina, gorda, um desafio de bom senso, a sentir-se mal, a voltar ao autocarro e ao frio domesticado a gasóleo. Afasto-me da excursão, tento imaginá-la não aqui. Fecho os olhos e o século actual deixa de interessar. Apenas a pele exposta à força constante deste vazio de morte. Apenas um homem na solidão possível de um turismo massificado. Apenas a impressão que o controlamos e que somos mais que instante no seu percurso. No usual dos dias faço eu o silêncio. Aqui sou contraponto envolto neste tudo que o define.

quinta-feira, fevereiro 19, 2009

terça-feira, fevereiro 17, 2009


as horas escondidas de uma manga de casaco

Fim de tarde e a chuva lá fora, indiferente, no vidro. Silhuetas sombras personagens difusas no molhado da rua, pela esquerda ou direita e na certeza dos seus passos. Por vezes uma pára no teu olhar e volta para trás, outra observa o pulso e as horas escondidas de uma manga de casaco, outra ainda, parada, na ânsia (crês) de um encontro que tarda. Quase ninguém na tua loja nesse aconchegar construído e os anos a que vês, mais nítido a cada semana, o término (o que esperas? de onde te saem essas horas em que só tu te fazes companhia? que força te mantém de sorriso pronto ao próximo desconhecido?). São quarenta anos deixados neste canto da cidade, duas vidas deslembradas de suor e dias gastos, um jorrar de agonias a custo engolido. Observas a cadeira de veludo exausto onde o teu amor se sentava. Porque foste? é a pergunta que te cala o resto.

quinta-feira, fevereiro 12, 2009

terça-feira, fevereiro 10, 2009


Naquelas caras uma expectativa que não entendo

Juntam-se à volta da porta fechada como pombos de cidade ao redor de uma velha. A noite avança, é tarde, atravesso um bar que o acaso da moda ilumina. São muitos, mais ou menos melhor vestidos, mais ou menos muito bonitos, mais ou menos quase jovens. Naquelas caras uma expectativa que não entendo (um rapaz que observa, incompreendido, uma das amigas do grupo, um outro, bêbado, de copo esquecido na mão esquerda, uma mulher com lágrimas de maquilhagem e uma mínima bolsa verde, um casal e duas das mãos dadas mais belas que vi). Sobre todos um porteiro, de roxo e negro, rodeado em braços cruzados imensos num semblante que lhe rouba a cara que sem dizer diz: entre estarem aí e entrarem aqui, estou eu.

quinta-feira, fevereiro 05, 2009

terça-feira, fevereiro 03, 2009


Levantas-te por um copo de água

Vejo-te na varanda entre nuvens e páginas de jornal, vejo-te afastado, são horas anos de atraso que te tenho, as pequenas coisas que nunca foram tão diferentes, o olhar teu que não pára no meu quando se cruzam. Um querer sem dizer, um dois sorrisos secretos, a linha dessa tua vida que não pousa na minha. Onde se encontra o eventual das nossas vidas juntas? Onde deixaste a parte do teu desejo que guardava entre os seios, na minha nuca, nos lábios apertados na orelha ao acolher da noite, à porta, no escuro da lâmpada avariada das escadas depois de te ouvir a subi-las nesses passos que tão bem conheço? Levantas-te por um copo de água, o som da televisão envolve-nos, os canos velhos da cozinha, o plac plac da torneira detido pela força da tua mão. Passas e digo qualquer coisa que não respondes, digo porque no teu rosto o meu silêncio não sossega.

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