Olhares Palavras Momentos

quinta-feira, maio 28, 2009

terça-feira, maio 26, 2009

nesse acumular que nos isola

Entro no comboio e sento-me no banco amarelo roído nas linhas e com os borrões de sujo que já conheço. Ao meu lado uma rapariga, um início de mulher a segurar com força a mala de pele roçada. Olha pela janela até que dos dedos solta um botão e retira o telemóvel. Observo aquele ecrã minúsculo a brilhar entre cores e palavras que não leio. Guarda-o e volta-o a tirar, espera algo, creio, e outra vez concentrado nele, num dedilhar aflito entre letras entaladas. Pessoas que entram e saem, prédios que desfilam na frente de um cortejo de nuvens negras. Tudo à nossa volta olhares perdidos, à espera de uma estação, do fim da viagem para um dia de trabalho, nesse acumular que nos isola. E agora um sinal pequeno no silêncio entre estações, entre o metrónomo do metal e da madeira desta linha, e logo ela nele a ler-lhe o mundo que apertado ali chega.

quinta-feira, maio 21, 2009

terça-feira, maio 19, 2009

peças de dominó

O jardim, parece, cresceu. Estás perto dela mas de mãos separadas ainda no passeio limpo há pouco, numa fresca manhã de Junho sobre o verde restado neste centro de cidade. No parque, crianças a brincar (eram duas mas junta-se uma terceira seguida por uma senhora que na cara e no cansaço daquele sorriso um talvez de avó), alguns pássaros na procura das migalhas de pequenos-almoços passados, os velhotes do costume a cercar peças de dominó, pontos negros cruzados em marfim falsificado, risos e contrários inesperados no fluir do jogo. Perdes-te neles todos enquanto o silêncio vos separa. Sentas-te ao pedido dela. Quer falar sobre a distância daquela troca de palavras, sobre (ainda) qualquer coisa que não estimas. Querias responder-lhe num costume de abraço mas, imóvel, esperas (e nessa espera, aquela avó a ler o mesmo livro que leste ontem).

quinta-feira, maio 14, 2009

terça-feira, maio 12, 2009

de olhar estendido

Passo pelo tempo nestas esculturas de milénios. As paredes que ainda sobram, as desmedidas colunas, o obelisco possível no centro do templo. Nisto tudo uma camada quente de areia e memória dispersa. O Antigo Egipto vê-nos morrer, uma geração após outra, cada único presente refeito em passado, cada palavra destituída, cada sonho perdido. E eu ele nós turistas de cem línguas diferentes em semana apertada a observar-te, a fingir nesta passagem que te entendemos (saímos de Karnak para a estrada destes dias e na parede, numa fina sombra do sol de almoço, a criança um rapaz seis sete anos indiferente à gloriosa história na qual se apoia e de olhar estendido à minha mão).

quinta-feira, maio 07, 2009

terça-feira, maio 05, 2009

num degrau a ver este rio passar

São gritos a envolver a madrugada, são gente que de iguais têm tudo, lágrimas por chorar, promessas por cumprir, gestos por dar. É chegada a guerra, o sangue ao branco da neve, o sufocante rumor da artilharia. São as ruas a esvaziar a cidade, cem mil sonhos desfeitos a passar por portas e janelas já fechadas. É o carregar de dinheiro comida roupa caixas grandes pequenas, um velho e o seu quadro (de uma mulher e um piano desbotados na chuva que desce), outro sentado num degrau a ver este rio passar e ali um cão perdido. É no cais onde todos param e esperam. Ela fala como se fosse um até logo mas nos teus olhos de soldado o barco que chega e na tua mão a mão dela.

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