Olhares Palavras Momentos

quinta-feira, junho 24, 2010

um rio, um mar esta noite

O comboio a acordar do torpor metálico e tu sentado ainda de saco verde entre as pernas. Esta mulher tua no teu braço, a segurar o corpo e tu já na promessa da distância, na esperança triste de um futuro melhor, na vida que não queres perder sem combate mas aquelas mãos aqueles dedos em ti e tu partido em dois (sentes-te metade, a outra deixaste nesta noite nos lençóis novos que ela pôs, nas toalhas limpas e no banho que pela primeira vez te deu, entre o silêncio deixado de lágrimas e um rio, um mar esta noite) e o apito que te reclama a presença. O que dizer neste termo que vos resta? Entre tanta coisa forçada qual o espaço que vos sobra? Outros iguais a subir as escadas, a entrar sozinhos, as mãos no vidro e o dever de os seguir (à tua volta a mesma cena em outras caras, outros braços, outros sulcos cavados). Não te chegam as palavras e agora os lábios dela nos teus. Esse adeus disfarçado de beijo.

terça-feira, junho 22, 2010



quinta-feira, junho 17, 2010

que rosto teu nessas histórias?

Arranjas na toalha a procissão de pratos, talheres e acessórios outros para o almoço que começa já atrasado. Nesta casa emprestada, neste lado de monte apontado a sul sobre o verão que vos recebe, tu à espera que ele saia do escritório. De tanto amontoar folhas (na velha máquina de escrever, lenta, uma companhia, um sentimento preso que o recusa à compra de computador, quarenta anos a premir nela as mesmas vinte seis letras gastas) de tanto erigir esse ritmo diário que o deixe livre do mundo que lhe vai lá dentro, que tamanho ficaste tu? que sobra nas obras que de ano a ano saem em alegrias literárias de desconhecidos? que rosto teu nessas histórias? E abres a porta para o chamar e naquela quietude ele a sorrir-te entre uma página e os teus olhos.

terça-feira, junho 15, 2010


quinta-feira, junho 10, 2010

um pouco desse riso,

Em redor uma floresta de metal a encerrar caras. Por entre os vidros outros como eu à espera. Alguém que se ri sozinho (naquele riso a minha ignorância da sua origem, o ritmo dos dias e um pouco de inveja do meu desanimo repetido deste trânsito parado) e penso do que rirá ele, se de um programa qualquer de rádio, se de uma voz ao telefone, se de uma boa lembrança da noite ou do ano passado. No meu carro agora muda a música e viro-me obediente para o outro lado. Uma mulher que olha para os sinais, para a rua, para o mundo de pessoas que nos define e naquele olhar um qualquer de triste, um também não saber meu dessa ausência de riso, tão abundante no homem que, na minha nuca, imagino ainda a rir dessa graça secreta e silenciosa que não ouvirei. Queria dar-lhe um pouco desse riso, ser ponte e justiça neste momento condenado de semáforo. E sobre nós vagas de pernas cruzadas na passadeira diante da luz verde de um boneco. Depois a sua troca com o vermelho e somos, novamente e apenas, os que seguem em frente.

terça-feira, junho 08, 2010


quinta-feira, junho 03, 2010

um torpor que também a ti te guia os braços

De mão em mão entregas pedaços de papel impresso com notícias de ontem. Nessas mãos abertas um testemunho passado, um ou outro olhar em ti mas para a maioria és um invisível, um algo que se apaga nessa entrega, um rosto igual entre mil esquecidos. É inverno e na quase chuva da manhã espalhas centenas de jornais iguais, grátis, lidos na pressa do caminho, deitados na rua a sujar de tinta e papel a cidade. Um regurgitar de carros e pessoas esta avenida, um cruzar de apatias, um torpor que também a ti te guia os braços, levantados, nesse suportar cansado de mais um dia. E, sem qualquer palavra dita, lá vão todos a afastar-se, a derramar-se desse centro, por ínfimo que seja, que és tu no teu emprego.

terça-feira, junho 01, 2010

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