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segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Chopin

Vinte anos. Há vinte anos fechada a minha infância nesta casa. A porta abre-se, relembrando o tempo passado de vida agitada, pois quatro crianças animam até a solidão dos velhos, cheiros e sons agora repousados neste pó que não conheço (o pó era a caspa do mundo, dizia o meu avô enquanto no enrugado dos seus dedos passava, lento, o castanho antigo da madeira). Ainda se mantém, num orgulho amarelado. O tapete de Arraiolos no centro da sala, indiferente às humidades que o consomem, às rachas na parede norte onde se perdeu o piano, vendido antes da deserção deste canto de terra. Ali a mesa, quebrada sobre dois pés resistentes, uma cadeira apenas (uma cadeira, vejam lá, que terá acontecido às outras sete?). Lembro-me de Chopin (era Chopin, avó?), das teclas e do seu tempo bem marcado entre os silêncios dos teus dedos nelas, brancas e pretas em ordem estudada que só tu sabias. Dedos de velha, ágeis, sábios, o carinho sobre as notas igual aos outros teus, meus, que não perderei. Pouco mais somos que obra de lembranças despojadas.

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