nunca me falaste desse minuto de silêncio
Eis que chegas a casa, o barulho das chaves no cinzeiro limpo da entrada, o casaco no cabide, o chapéu-de-chuva sacudido e aberto a indicar-te a passagem. Uma torneira aberta e fechada, os sapatos descalçados, o intervalo que sempre demoras sentado na cama (nunca me falaste desse minuto de silêncio que nos impões, esse momento que não deslindo, essa resignação que imagino e uma arena de medos que se levanta cada vez que te sentas para calçar os chinelos). Depois outra vez tu no corredor, na minha direcção, um sorriso treinado, moldado nos anos, o beijo na testa, a nossa troca de frases do costume (onde estamos todos bem, onde tudo está normal no trabalho, onde o tempo podia estar pior e o trânsito melhor). Depois as revistas, o semanário relido, o jantar (e o quanto está boa a comida, o quanto de boa cozinheira os teus lábios nessa simpatia distante me acusam) e essa partilha que fazemos da sala, disjunta, separada, como se fossemos duas casas, dois trajectos. E após a cozinha arrumada, a TV aberta às telenovelas, às vidas recriadas e recicladas daquela gente famosa, aos concursos (e nas respostas, o único momento em que somos casal, um querer para o mesmo lado) e no fim, na cama, sem dizeres boa noite (apenas o monótono beijo que assinala esta nossa existência), virado para a parede, permaneces calado na companhia da tua insónia.
Olhares Palavras Momentos
quinta-feira, fevereiro 11, 2010
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