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terça-feira, junho 17, 2008

O teu sangue todo dado

Nunca o correio chegara como ontem. Nunca uma carta de fechada teve tão pouco. Nunca um momento se passou como este na secura da tua boca. Na guerra, algures num instante, numa bala perdida, do rosto que a disparou ao anónimo que deste o nome. O teu filho. A tua ânsia, o teu sangue todo dado, o teu estremecimento das noites enterradas com ele agora. Os mil lençóis da tua vigília, onde lhe entrelaçaste o crescer, guardados na lembrança, lavados e brancos até ontem e agora maculados de vermelho (o que dizer? o que ouvir? como se atravessa o peso do próximo segundo? desta vida?) Era um barco, um enorme barco que o levou, cheio de vida e de esperança cega de despedidas a outras tantas mulheres, mães filhas ali no cais onde partiu. A última coisa que deixaste foi a força obstinada da tua mão no seu braço ('que a marca fique até voltares') e o silêncio dos teus lábios cerrados na já saudade das palavras que ficam sempre por dizer.

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