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terça-feira, junho 10, 2008

A janela, por detrás das palavras,

Sentou-se e deixou o médico repetir o já dito nas análises. Falava do cancro como se fosse uma pessoa, alguém dentro a crescer, olhos, boca, pernas num caos de células enlouquecidas. Na secretaria (reparou) um desenho de criança, uma casa um carro uma intenção de árvore e um mar naquela linha azul. No outro lado um cachimbo usado (os restos do tabaco dispersos numa discreta desordem igual à sua), um copo de água a meio, um desbarato de canetas caras. A janela, por detrás das palavras, a ameaçar uma última Primavera (‘…quanto ao tempo, seis meses um ano’) penúltima talvez. O médico levantou-se e no seu braço apertou a mão, uma força nem mais nem menos, aperfeiçoada noutros iguais, passados, já mortos. Responder o quê se não há pergunta?

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